- 20 de agosto de 2025
LEDO ENGANO
JOBIS PODOSAN
A crônica de hoje é uma reminiscência do passado, versando sobre coisas que acontecem nesse Brasil lindo e focada no dia a dia comum das pessoas comuns, que se divertem, se apaixonam e vivem emoções que estão fora da vida governamental do país, onde os gulosos de poder fazem parecer que eles são a vida da nação. Esta crônica é um recorte da infância e da adolescência já distantes.
O lugar onde nasci era uma rua única, comprida, cujo casario se estendia paralelo à Estrada de Ferro (chamávamos “linha do trem”) com algumas casas do "outro lado" da ferrovia. Por detrás desse "outro lado", corria o Rio que servia para o banho, para o trabalho de lavagem de roupa das donas de casa, como fonte de alimentos, pois repleto em peixes, e, para nós, meninos, uma fonte inesgotável de diversões, nós mesmos quase peixes, não tendo os pais preocupações maiores com a segurança, em face da habilidade dos meninos em cruzar o rio e mergulhar nas águas quase sempre mansas do Rio.
Mas esse lugar idílico foi mudando com o tempo, com a chegada das indústrias poluidoras que mataram o Rio, com a falência dos trens da Leste, a migração das pessoas em busca de uma vida melhor, inclusive eu.
O episódio que vou contar estava embutido no período lírico do nosso amado lugar. Uma família que adotou esse paraíso para morar, composta por pai, mãe e uma filha, provocou essa história interessante. Os pais logo se adaptaram ao local, mas a filha, estudante de medicina na Capital, só nos frequentava durante as férias. Numa delas, junto a um grupo de amigos, foi visitar a Fazenda Angolá e, lá, deslumbrou-se com um cavaleiro, todo paramentado de vaqueiro que, montado num cavalo garboso e irrequieto, exibia-se para os visitantes dando um verdadeiro show no domínio do animal. Olhado com admiração por todos, fixou os olhos na nossa quase médica e, numa manobra audaz, tomou-a pelo braço e a arremessou, com grande habilidade, na garupa de animal. Ela, com um misto de admiração e medo, agarrou-se a cintura do habilidoso cavaleiro e partiram a galope pela propriedade, provocando o aplauso de todos, quando voltou e apeou do animal, vermelha como um tomate maduro, mas com os olhos flamejantes de admiração pelo garboso ginete, o olhava com enlevo. Não havia palavras para defini-lo e ela preferiu apenas admirá-lo, como se fora o próprio Júlio César às margens do Rubicão. O dia de sexta-feira passou celeremente para a quase doutora, que voltou para casa com os olhos brilhantes de admiração e o nome do rapaz rolando na sua boca a propósito de tudo. Era o esboço de uma grande paixão. Antes de sairmos ela convidou o rapaz para, no sábado à noite, jantar em no melhor restaurante da cidade, convite inusual, mas prontamente aceito pelo herói do dia.
Na volta, meu irmão mais velho, também ele de olhos na quase médica, avisou a ela para ter cuidado com o entusiasmo, uma vez que o rapaz estava no seu ambiente e, ali, suas habilidades eram mesmo notáveis. Ficasse ela preparada porque vira uma miragem, que poderia não corresponder à imagem real do nosso personagem.
Ela rebateu dizendo que meu irmão estava com ciúmes do rapaz, pois sabia da afeição que ele lhe devotava.
E foi ao encontro marcado com o coração trêmulo, apaixonado. Quando se encontraram, o rapaz não sabia o que dizer, tremendamente tímido, de cabeça baixa, completamente fora do ambiente. Não sabia olhar o cardápio, tendo ela que pedir os pratos, era o oposto de rapaz desenvolto que virá no dia anterior, na Fazenda. Ela o provocou falando do dia anterior e o rapaz ganhou nova vida e, durante o jantar, aproveitando a deixa, dissertou sobre as atividades da Fazenda, sendo a preferida dele a doma de cavalos "brabos" e de nada mais se falou durante o jantar. Na manhã seguinte estrava ela na nossa casa, na hora do café da manhã, para contar ao meu irmão os sucessos da noite anterior. Ria a bandeiras despregadas e o meu irmão acabrunhou-se sem atinar com o significado de tanta alegria. Ela explicou: ele é, deveras, um rapaz encantador, mas no ambiente dele, porém, no meu, não tem a menor graça. Desculpe-me por ter zombado de você.