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ORÁCULO

Estamos diante de fatos que justifiquem qualquer destas medidas?


OS PREFEITOS CHORAM PRIMEIRO


                                                                                                                        JOBIS  PODOSAN

 

A Constituição prevê duas medidas, as mais duras que constam do texto constitucional, chamadas por alguns de Salvaguardas Constitucionais, para que o Estado possa enfrentar problemas de grandes e graves proporções, que coloquem em risco todo ou parte do território nacional e que são da competência exclusiva da União, envolvendo o Presidente da República (PR) e o Congresso Nacional, ouvidos os conselhos da República e de Defesa Nacional, para debelar situações graves, que exigem poderes excepcionais e autorizam a quebra da normalidade constitucional. As hipóteses e o procedimento estão regulados nos arte. 136 a 141 da Carta Magna, trataremos aqui das espécies de medidas e das hipóteses de cabimento.

Estado de defesa - o Presidente da República pode, ouvidos o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional, decretar estado de defesa para: 1) preservar ou prontamente restabelecer, em locais restritos e determinados, a ordem pública ou a paz social ameaçadas por grave e iminente instabilidade institucional; 2) ou a ocorrência de calamidades de grandes proporções na natureza.

Estado de sítio - O Presidente da República pode, ouvidos o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional, solicitar ao Congresso Nacional autorização para decretar o estado de sítio nos casos de: 1) comoção grave de repercussão nacional; 2) ou ocorrência de fatos que comprovem a ineficácia de medida tomada durante o estado de defesa; 3)  declaração de estado de guerra ou resposta a agressão armada estrangeira.

Estamos diante de fatos que justifiquem qualquer destas medidas? A resposta é, desenganadamente, não. Aliás, no regime da Constituição de 1988, ainda não tivemos a decretação de tais medidas em momento algum, portanto, não há crise institucional que ponha em risco a própria sobrevivência do Estado, a justificar medidas tão drásticas, até porque estamos diante de uma crise na saúde pública, para a qual a adoção dessas medidas extremas não resolveriam nada, porque ela está essencialmente nos municípios, em todos os 5.570 municípios brasileiros. E qual foi a solução dada pela Constituição e pela lei, para enfrentar esse grave problema? É o que veremos abaixo.


A Constituição reparte as competências da União, Estados e Municípios, tanto a competência material (o que cabe a cada um fazer), quanto a competência legislativa (sobre o que cada um pode legislar).  Analisando a distribuição das competências na Constituição vamos encontrar no art. 21 a competência material (o que fazer) privativa da União. As matérias ali enumeradas só podem ser executadas pela União. No art. 30, temos a enumeração das competências dos Municípios. Já no art. 25, a Constituição diz as competências dos Estados, sendo algumas expressas e, no parágrafo primeiro do citado artigo,  prevê  as chamadas competências remanescentes. Isto quer dizer que, qualquer matéria que não esteja prevista como competência privativa da União no art. 21 ou privativa dos Municípios no art. 30, será da competência dos Estados Membros da federação, como exemplo podemos citar a segurança pública. Quem quiser encontrar a quem compete realizar a segurança pública no Brasil, não a vai encontrar expressamente na Constituição. Mas o art 25,   § 1º, diz que são reservadas aos Estados as competências que não lhes sejam vedadas pela Constituição. E quais as que são vedadas? Todas aquelas atribuídas à União ou aos Município, a competência dos estados é, portanto, residual. Logo, fazer a segurança pública é da competência material de cada Estado. Diga-se   que o art. 32, que trata da Capital da República, atribuiu ao Distrito Federal as competências que são dos Estados e do Municípios, sendo o seu Chefe do Executivo um misto de Governador e Prefeito. O sistema é complexo e sua extensão não é o objeto deste artigo. Aqui, o que se examina não é o que compete privativamente a cada um, mas o que compete a todos ao mesmo tempo, dentro da competência territorial de cada um. Os prefeitos só têm competência dentro dos limites territoriais do seu Município, cada governador só tem autoridade nos respectivos Estados e a União em todo o território nacional. Cuidaremos aqui das matérias que podem ser exercidas por qualquer dos entes da federação, ao mesmo tempo.

O art. 23 da Constituição trata dessa competência comum a todos os entes federativos. Todas as matérias que estão listadas abaixo podem ser objeto de tratamento por cada um ente federativo, que pode sobre elas legislar nos respectivos territórios. Assim, o papel da União é de coordenação entre os Estados e estes de coordenação entre os seus Municípios. É quais são esses assuntos? Confiramos no art. 23, II:

 

É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, entre outras matérias: cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas

Vê-se aí que cuidar da saúde a da assistência pública, nos termos do art.  23, II, é comum a todos os entes da federação, compete a todos os entes da federação, sem exclusividade de nenhum. Diga-se que não se trata de competência concorrente entre os entes federativos, que é regulada no art. 24, até porque essa competência de concorrente é legislativa e não material. Por se tratar de competência comum, os Estados e Municípios têm Secretarias de Saúde e a União tem um Ministério para executar a sua tarefa. O Ministro da Saúde não manda nos Secretários, porque não tem ascendência administrativa ou disciplinar sobre eles. É a mesma relação que há entre o PR e os governadores e prefeitos. É cada macaco no seu galho. Não tem mando nem para cima e nem para baixo, até porque não há nem encima e nem embaixo. O Presidente não está acima dos governadores e estes não estão acima dos prefeitos. Não há qualquer traço de subordinação entre essas autoridades. O que lhes define os papéis é a competência estabelecida na Constituição e na lei. Nenhum deles pode invadir a competência privativa dos outros e todos podem realizar e legislar sobre as matérias de competência comum, como a saúde e assistência da população. Assim, fica claro que os Estados e Municípios têm competência para cuidar da saúde nos seus respectivos territórios e foi isto que o STF disse, disse o que está expresso na Constituição, não poderia, aliás, dizer de outra forma.

Outra distinção que se faz necessária, esmiuçando, é separar os conceitos de crise institucional, que ponha em risco o próprio Estado e suas instituições democráticas e crise na saúde pública. Aqui o risco é das pessoas. Ali, o risco é do Estado. Para as crises no Estado a Constituição prevê dois remédios amargos que está no âmbito de competência exclusiva do PR. No Título V, a Constituição Federal trata da defesa do Estado e das Instituições Democráticas.
Nos arts. art.136 a 141 são apresentados dois instrumentos de garantia da ordem e da segurança, em face de perigos reais e iminentes provocados por agressões internas ou externas contra a soberania do Estado. São eles, como acima se viu: o Estado de Defesa e o Estado de Sítio. A Carta Magna descreve as situações que podem ensejar estas medidas drásticas, que não podem ser confundidas com crise na saúde pública, como o PR e seus adeptos, alguns apenas insuficientemente informados e outros de má-fé vêm fazendo, misturando alhos com bugalhos, tratando assistência e proteção da população por grave situação de saúde pública com perigo de sobrevivência do próprio Estado.

Um dinossauro da Era Collor, está falando nas redes sociais que certas medidas, como o toque de recolher, só podem ser decretadas pelo PR, dentro do Estado de Sítio, depois de autorizado pelo Congresso Nacional. O que ele está dizendo tem um fundo de verdade e ele espera com isso confundir o já confuso PR. Trata-se de usar uma meia verdade como se fosse a verdade inteira, tudo ditado pela escassez de escrúpulos e a crença de que o PR é apenas mais um tolo a ser manejado. Supondo-se que o PR já leu a Constituição, pois esteve no Congresso por longos 28 anos, é claro que ele tem de saber as hipóteses de cabimento das salvaguardas constitucionais e não confundi-las com instrumentos para assistir a população numa grave crise de Saúde Pública. Se não é capaz de operar tal distinção deve sair desse lugar e entregá-lo a alguém mais capaz. O PR fez a graduação escola militar, mas não fez o curso de aperfeiçoamento que atribui contenção aos arroubos acadêmicos, tampouco aprendeu a  moderação e reflexão mais aprofundadas na Escola de Estado Maior ou a sabedoria da ESG, para aprender a discernir sobre conceitos difíceis, para além da obviedade. Porém, passou 28 anos entre cobras criadas, as boas e as más, na Câmara dos Deputados e alguma coisa tem de ter aprendido. Como, por exemplo, o PR faria para proteger diretamente a população de cada um dos 5.570 municípios do Brasil, atendendo às peculiaridades de cada um, através de atos federais que devem ser iguais para todos os municípios, sem considerar a realidade local de cada um e sem autoridade no âmbito de competência dos municípios? O Estado, repete-se, não está em perigo, é a população que está. As medidas de restrição são atos antes de amor e compaixão que de guerra, é caso de lágrimas e não de balas. As hipóteses de Estado de Defesa e de Estado de Sítio não estão presentes no Brasil. Se tais providências fossem adotadas - na prática seriam impossíveis de se materializarem e inócuas quanto aos resultados.  Aí é que haveria a extinção da federação, pois a União estaria invadindo os municípios, passando por cima dos Estados! Só oportunistas chegam a mencionar tais providências excepcionais, na verdade chamando o PR de trouxa e visando a obter algum tipo de vantagem quando chegada a hora. É só esperar para ver. É só o PR tresloucar e decretar medidas excepcionais de força! 

No papel de coordenação a União, que não sofre com a adoção das medidas duras, poderia, por força do emprego de verbas federais, usar a PF e a CGU para a fiscalização dos gastos, instituir recompensas como clausulas de sucesso nas providências adotadas, chegar mais perto dos Estados em grandes dificuldades, visitar os hospitais  e doentes, solidarizar-se com as famílias que  sofreram perdas múltiplas, indo  até elas, enfim, colher o bônus do sucesso sem o ônus das decisões restritivas. Mas não.  O PR, tolamente, está enciumado por não ser o protagonista na assistência à saúde. Falta-lhe conhecimento próprio e assessoria qualificada ou não amedrontada que possa reduzir suas manifestações erráticas.

A crise na saúde pública está prevista na Lei 13.979/2020, sancionada pelo próprio PR e, nesta Lei, está o outro pilar da decisão do STF, atribuindo aos governadores e prefeitos a adoção das providências que entenderem necessárias nos seus respectivos territórios, o que se justifica em função de estarem próximos aos problemas e poderem adotar as soluções mais adequadas às realidades locais. É o que manda a Constituição no art. 23. O PR está peitando ou tentando peitar os governadores e prefeitos enquanto em derredor enxameiam os cadáveres do povo, que virão assombrá-lo nas eleições. Ao invés de procissões e cânticos de louvor e agradecimento dos vivos pela efetividade da assistência, os mortos se erguerão dos seus túmulos, como no Incidente em Antares, do Érico Veríssimo, para cobrar o que lhes era devido. O PR precisa tirar o nariz da frente dos olhos para enxergar adiante e poder entender que a solução - confirmada pelo STF - que a Constituição deu ao problema é a melhor que se podia dar, afinal, neste caso, quanto mais próximas as autoridades, maior a possibilidade de acertar na adoção das medidas adequadas, afinal, onde quer que estejamos no território nacional, estamos sob a autoridade imediata de um prefeito. Governadores são distantes e o Presidente é remoto, daí a solução inteligente da Carta Magna, afinal os prefeitos choram primeiro a perda dos seus munícipes.

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