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ORÁCULO

É preciso providências legislativas duras.


A FORÇA DA GENTILEZA

JOBIS PODOSAN

 

Chegamos a um ponto de desgaste moral que tornamos imperceptível aos nossos olhos aquilo que fazemos e que. nos outros. condenamos e chamamos  corrupção ou vício semelhante. Uma empresa grande cria um departamento de propina e põe o nome pomposo de Departamento de Operações Estruturadas- DOE e, descoberta destinação verdadeira do tal departamento, até com certa naturalidade, confessa tudo e diz até a sua área de influência na Administração Publica: compra de emendas parlamentares, superfaturamento de obras, criação de falsas pessoas jurídicas para fraudar contratos, percepção de vantagens  indiretas, como passagens, estadias custosas, palestras vazias etc. Num país no qual as autoridades - não uma ou outra, mas a quase totalidade -  aceitam a flexibilização das regras em relação aos envolvidos e endurecimento em relação aos outros, nada pode ser feito dentro das regras vigentes e válidas, tudo é feito à socapa, com malabarismos fora da lei, que se torna uma quimera, mero obstáculo a ser transposto pela esperteza.

É preciso providências legislativas duras, pois a minoria de decentes não tem como consertar a maioria indecente. Dou um exemplo de caso minoritário. Em certo tribunal havia um desembargador cuja filha queria tirar a CNH, mas, nervosa que era, segundo ele, não conseguia aprender a dirigir. A autoridade procurou um oficial da PM que trabalhava no tribunal e pediu que ele intercedesse junto ao Detran para conseguir a habilitação da moça. A violação da lei, da autoridade do oficial e da própria autoridade não entrou na cogitação do magistrado! Ele era quase septuagenário, mas sempre é possível aprender. O oficial disse-lhe que demorava um pouco, mas que era possível ajudar a moça. Obtido o assentimento, matriculou-a numa autoescola e indicou cada passo a partir dali. A consequência foi a obtenção da pretendida CNH. O desembargador procurou o oficial para agradecer e aí veio a lição: senhor, eu não fiz nada, sua a filha fez o que todo mundo faz para tirar uma carteira de habilitação, passou pelo processo inteiro, sem nervosismo algum e sem outra ajuda que não seu próprio empenho. O problema dela era o senhor, que pensou ser possível obter uma CNH sem submissão à lei. Para sua filha, a ilegalidade lhe pareceu tolerável. O homem ficou profundamente envergonhado  e pediu desculpas. É patético, mas tudo continua assim, basta apenas a chegada da vez de cada um.

O mais otimista dos sujeitos tende a acreditar que o nosso país não tem jeito. Vivemos debaixo de um cipoal de leis, as invocamos sempre que elas nos beneficiam. Se a transgressão delas nos for benéfica, não hesitamos em descumpri-las, mesmo prejudicando os outros ou violando a própria consciência, que cede ante a vantagem. Há, até, certo prazer em violar a lei que a todos obriga, bastando, para tanto, a obtenção de um certo grau de autoridade, por menor que seja, mas que dê  a ilusão de impunidade. O famoso "sabe com quem está falando"?, ainda tem muito sentido entre nós. Não é que não saibamos a noção de certo e errado, a questão é a não percepção do outro. E a consequência desta não percepção é a recíproca dos outros em relação a nós  também e todos  viramos lobos famintos, nos entredevorando: homo homini lupus, princípio segundo o qual o homem é o lobo do homem, referindo à ferocidade com que os homens procuram prejudicarem-se uns aos outros, como aludiu Thomas Hobbes.

Questão relevante é a indagação da razão pela qual nos deixamos levar por tão baixos instintos, arruinando a própria vida, na ilusão tola de que a conta nunca chegará, mesmo sabendo que ela sempre chega, de uma forma ou de outra, cedo ou tarda, hoje mais para cedo que para tarde!

Em todas as religiões, em todo tratado e de ética  e em todos os ensinamentos morais em todos tempos, a regra fundamental da conduta relacional entre humanos é não fazer aos outros aquilo que não queremos que os outros façam a nós mesmos ou só fazermos aos outros aqui que queremos que os outros façam a nós mesmos. Porém, se sabemos, por que não fazemos? A resposta é difícil, mas arrisco uma: fazemos porque, embora reluzentes e envernizados, ainda não chegamos ao patamar mínimo da condição humana, a estupidez e a brutalidade, ainda que sob disfarces múltiplos, ainda não deram lugar à suavidade e gentileza que Jesus, Buda ou Maomé nos ensinaram. É uma questão de tempo chegarmos lá - muito tempo, é certo - mas chegará o dia que perceberemos que é melhor ser bobo, que esperto ou sabido, porque para estes, os bobos reservaram e estão reservando lugares especiais chamado a cadeias. Há um bocado deles lá alojados, às vezes uma cela, às vezes o próprio domicílio, às vezes uma tornozeleira eletrônica, mas os corpos podres, em qualquer caso, pois confinados, sem direito de ir e vir. E cada vez, por ausência de gentileza e respeito ao próximo, mais luzes se apagam.

 

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