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ORÁCULO
É possível a edição de um ato institucional semelhante ao AI5?

PENSANDO A INTERVENÇÃO III

 

 JOBIS PODOSAN


Continuamos a responder às indagações sobre a possibilidade de intervenção das FFAA nos Poderes da República com base no art. 142 da Constituição, quando houver interferência de um poder na competência do outro. Lembremos que a Constituição não prevê, em dispositivo algum, que haja intervenção política da União sobre a União. Ao contrário, prevê um sistema de legalidade excepcional, visando ao equilíbrio e reequilíbrio da federação, quando esta estiver ameaçada pelos fatores extraordinários que expressamente menciona, nos arts. 134, 136 e 137 e estabelece um mecanismo de freios e contrapesos que resolve todos os conflitos existentes entre os poderes, podendo, em casos de impasse, se pedir a manifestação do Poder Judiciário, através do mecanismo apropriado, que é o direito de ação, instaurando-se um processo contraditório, com os recursos a ele inerentes, seja o conflito de competência ou de atribuições e o STF o solucionará de modo definitivo. Não há conflito entre decisões finais do STF e os outros poderes, o que há é solução de conflitos, uma vez que esta é a solução dada pelo poder constituinte originário, que elaborou a constituição, para por um fim às demandas entre os poderes. No caso de decisões liminares proferidas monocraticamente por ministros da Suprema Corte, não há conflito, há a possibilidade de recurso ao colegiado para pronunciamento final. As sugestões de criar tribunais acima do STF apenas engessa mais ainda o Poder Judiciário, porque logo logo esses novos órgãos sofrerão as mesmas críticas do Tribunal Supremo de hoje. Tenha-se em vista ainda que os ministros do STF foram todos indicados por Presidentes “legitimamente eleitos” e aprovados por Senadores também “legitimamente eleitos” e todos eles eleitos por todos nós, pelo democrático sistema da maioria. Em última análise, portanto, o corpo eleitoral do Brasil elegeu, também, os ministros do STF, indiretamente. Não podemos fugir dessa consequência atribuindo a outros o que é responsabilidade nossa. Ao eleger o Presidente, delegamos a ele a competência de indicar ministros do STF. Eleger gente incapaz e depois querer que esse incapaz faça boas escolhas é pretender que a chuva caia para cima.

 

1.     Como agirão as FFAA nos casos de convocação para dirimir conflitos entre os poderes? Agirão de modo singular ou sempre em colegiado dos três comandantes? Quem o presidirá? Qual o procedimento a seguir? O Ministro da Defesa, que exerce função civil, embora agora seja um militar, participará, já que não integra as FFAA? Qual a natureza do ato que resolverá um conflito jurídico, será sentença ou acordão ou portaria ou ordem do dia?

RESP – se existisse esse Poder Moderador Militar, as respostas às indagações acima deveriam estar no texto da Constituição. Esse Tribunal Militar deveria ter sua composição definida, sua sede, sua lei de organização, sua competência, quais os casos que demandariam sua atuação, seu quadro de pessoal, a definição de sua natureza jurídica, as consequências dos seus julgamentos. Força Armadas é temo muito amplo, abrangendo forças de terra, mar e ar e um tribunal não pode ser criado dessa maneira. A Constituição também nada diz sobre como se pronunciará esse órgão e nem qual o instrumento que sairá desse julgamento e nem a sua forma de execução. Também não define quem reverá os erros e excessos cometidos e se tais atos são excluídos da apreciação do Poder Judiciário, contrariando cláusula pétrea da Constituição (CF, art. 5º, XXXV). Resulta evidente que o Ministro da Defesa, que exerce função civil, não participaria desse singular tribunal, que não tem nenhum contorno na Constituição, embora a matéria seja evidentemente constitucional

 

2.     Como agirão as FFAA nos casos em que a iniciativa partir dos outros dois poderes, que não têm sobre elas ascendência?

RESP – a redação do art. 142 é clara no sentido de que somente o Presidente da República, como chefe supremo as FFAA, pode ordenar sua ação ou mobilização. Assim, os Poderes Legislativo e Judiciário não podem se dirigir expressamente a elas para postular nada. Militares têm uma cadeia de comando da qual não podem fugir, principalmente para atacar o seu comandante em chefe. É curiosa a situação desses poderes, pois, segundo essa singular tese, necessitariam pedir ao Presidente da República que que jogasse as FFAA contra o próprio Poder Executivo!!!

 

3.     Como executar, segundo a lei, uma decisão tomada pela força, que é apenas um fato?

RESP – a possibilidade de execução é da natureza de toda decisão do poder público, seja administrativa, seja judicial. As decisões de Poder devem ser executadas segundo procedimentos previstos em lei, segundo o princípio do due process of law ou devido processo legal, que é a primeira garantia da cidadania contra abusos. Não havendo lei, a decisão não pode ser executada. A decisão desse peculiar tribunal inexistente não pode ser executada por faltar justamente a lei que possibilite a execução. A força está a serviço do direito e não ao contrário.

 

4.     Presume-se do seu perecer que tendo a Constituição apontado o fim, é possível ao intérprete deduzir os meios. Porém, segundo a mesma Constituição as competências de União e do PR são sempre expressas. Com o podem as FFAA preencher a omissão constitucional? Isto não significa que os meios estão implícitos? Não seria possível a edição de um Ato Institucional que responda a estas indagações, mesmo que os AI não esteja previstos no rol do artigo 59  da Carta Maior?

RESP – comecemos pelo fim. Segundo o art. 59 da constituição o processo legislativo compreende a elaboração de:

        I -  emendas à Constituição;

        II -  leis complementares;

        III -  leis ordinárias;

        IV -  leis delegadas;

        V -  medidas provisórias;

        VI -  decretos legislativos;

        VII -  resoluções.

Isto quer dizer que estas são as espécies normativas, com força de lei, que podem ser elaboradas no Brasil. As cinco primeiras têm seu procedimento de elaboração minuciosamente explicadas no próprio texto constitucional (CF, Arts. 60 a 69) e o procedimento as duas últimas estão previstos nos regimentos internos das Casas do Congresso Nacional e têm aplicação limitada. A matéria se esgota na Constituição. O que não está nela, não existe no mundo jurídico. Assim, se o Presidente editar um Decreto-Lei, um Ato Institucional ou seja lá que nome se dê ao tal ato, e tentar executá-lo à força, esta será a única justificativa para o ato. Está fora do direito. Embora se tente dar forma jurídica ao monstro, ele sobreviverá até que haja seu esgotamento ou outra força, em sentido contrário, o derrube. Hoje, com a força das redes sociais, somente à custa de muito sangue inocente um ato de tal natureza poderá se manter por algum tempo, pouco tempo, pouquíssimo tempo. É um desatino tão grande que raia à insanidade e enseja a possibilidade de verificar a higidez mental do seu autor. Pode haver, por exemplo, decreto-lei vigendo no Brasil de hoje, como o Código Penal (Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940), mas foi recebido pela Constituição vigente como lei ordinária, mas não poderá haver, depois da vigência da Nova Carta (1988), nenhum Decreto-Lei válido e sua eventual edição significa ato praticado por alguém incapaz, sujeito a impedimento por perda do discernimento para praticar atos jurídicos. Quanto aos atos institucionais, que aqui e em parte alguma existem, com o fim que foram editados no Brasil, são mera invenção para justificar o uso da violência. Aliás, o nome é propositadamente enganoso, pois genérico, e abarca qualquer ato jurídico previsto na Constituição. Todos os atos jurídicos previsto na Constituição são atos institucionais. Mais ainda. Todos os atos praticados pelo Estado são institucionais. Só não é institucional o ato editado fora das normas da Constituição que são um nada jurídico.

Não há meios implícitos que justifiquem fins inconstitucionais. Toda matéria constitucional se esgota na constituição e seu intérprete maior é o STF. Dizer que a expressão as FFAA "destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem" justifica a incursão invasiva das FFAA sobre os poderes constitucionais é o mesmo que tentar matar um dinossauro com um estilingue. Mesmo com muito boa vontade, não há interpretação que se aproxime do razoável que, a partir somente disto, autorize as FFAA a dar a última palavra num eventual conflito entre os poderes. Aliás, as FFAA não dão nem a primeira palavra e muito menos a última nada no campo político. Só atua mediante ordem e sua atuação cessa assim que lhe for ordenado. Forças armadas se preparam para a ação, mas não a deflagra sem ordem. E isto é muito natural, pois é preciso que a força esteja sob controle permanente, porque, agindo por si só, a força é mais ameaça que garantia.

No que toca às omissões da constituição, elas somente podem ser preenchidas pelo legislador, com as ressalvas das cláusula pétreas ou pelo Poder Judiciário nas ações previstas no próprio texto constitucional, que alhures mencionamos.

 

5.     Podem as FFAA agir sem a ordem presidencial no caso de o poder executivo ser o opressor?

RESP – nunca, em hipótese alguma, as FFAA podem agir sem a ordem presidencial, que é o topo da hierarquia e admitir que ela possa fazer cessar a opressão do Poder Executivo sobre os dois outros poderes, é acreditar no absurdo. O que detém o poder executivo opressor é o sistema de freios e contrapesos, a ação penal movida pelo Ministério Público no STF e o processo de impeachment no Poder Legislativo. Com os mecanismos tecnológicos de hoje esses ações podem tramitar com grande celeridade e afastar o Presidente do poder colocando em seu lugar o substituto legal, além de haver a possibilidade de afastá-lo por insanidade mental. A incapacidade mental do Presidente pode resultar em impedimento temporário, provocando a sua substituição, ou em vacância do cargo em caso de gravidade que torne impossível sua permanência no cargo, deflagrando a sua sucessão. No caso de impedimento temporário o Presidente é afastado do poder e é substituído pelos Vice-Presidente, Presidente da Câmara dos Deputados, Presidente do Senado e Presidente do STF, nesta ordem. No caso de vacância do cargo, há sucessão, assumindo a presidência o Vice-Presidente da República, que concluirá o mandato. Não havendo Vice, serão realizadas eleições para a conclusão do mandato. Serão eleições diretas pelo povo, se a vacância ocorrer nos dois primeiros anos do mandato e será indireta se a vacância ocorrer nos dois últimos anos do mandato, sendo o colégio eleitoral o Congresso Nacional.

 

6.     É possível a edição de um ato institucional semelhante ao AI5, para permitir ao PR legislar plenamente e atribuir a função de julgar aos comandantes militares, no caso de fechamento   do STF e o Congresso Nacional?

RESP – fora do Direito, pode. Significará a derrubada da Constituição e o regime de estado se modifica de Estado Democrático de Direito para estado autoritário, ditatorial. E recomeçará a Luta pelo Direito, de que nos falava Rudolf Von Ihering, em obra clássica. Os adeptos do regime instaurado tornam-se poderosos porque estão soltas as amarras da lei. Os que forem contrários passarão a ser tachados de tudo, de comunistas a terroristas. É um fantástico salto de mais de trezentos anos para trás e a caída no Estado Absoluto, sem a separação de poderes que limita a prática dos atos estatais. Em seguida a ditadura engolirá os seus adeptos, pois alguns verão que foram enganados e recusarão participar das atrocidades que são sempre necessárias para manter um regime de força e serão considerados de traidores. O passo seguinte e a reconstrução de Estado Democrático de Direito e a desconstrução dos responsáveis pela derrubada da democracia, revogando todos os atos ditatoriais praticados, punindo os autores ainda vivos e retirando as homenagens que prestaram a si mesmos. Um passo mais ousado precisa ser dado: tornar invisíveis os ditadores e seus adeptos, desconstruindo suas imagens, nomes de logradouros públicos, nomes de cidades e municípios, qualquer coisa que a eles se refiram devem ser anuladas e banidas.

Não há possibilidade jurídica de praticar qualquer ato que modifique o nosso regime político, seja qual for o nome que se lhe dê. Afora isto, como já mencionado, restará ao povo apenas a formação de uma resistência pacifica ou armada para que lhe sejam devolvidas a segurança e a liberdade subtraídas.

Continua...

 


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