- 11 de julho de 2025
Todo mundo tem uma camiseta, uma bermuda, uma saia, um short, uma (ou mais de uma) peça de roupa preferida. Crianças gostam de ter seus paninhos para dormir ou passar o dia cheirando.
Quando criança, Mariana, minha filha mais velha, adorava deitar-se no meu lado da cama, abraçando o meu travesseiro; dizia que era “para sentir o cheirinho do papai”. Na adolescência, ela invadia meu espaço, roubava minhas camisetas surradas e passava o dia usando aqueles roupões desajeitados e disformes. Eu gostava de ver aquilo. Sentia-me querido e prestigiado.
Eu também tenho minhas peças de roupa preferidas. Conservo camisetas, bermudas e calças que têm mais de 15 anos. Na semana passada, um de meus sapatos soltou o solado. Minha primeira reação foi xingar a má qualidade de produto tão novo. Antes de decidir levá-lo para o sapateiro, fiz cálculos e me dei conta de que aquele Kildare foi adquirido em 1997. Quer dizer: 26 anos aquecendo meus pés.
Um amigo meu se apega (ou se apegava?) a cuecas. Passar o dia em casa com aquelas cuecas de algodão, furadas por traças, formigas ou baratas, era o máximo do conforto para Patrício, que, diga-se de passagem, nada tem de Mauricinho ou Patricinho. Garoto bonito, bem apanhado, ambicionado por dez em cada dez menininhas à sua volta, ele, claro, era vaidoso sem chegar às raias de perseguir roupas de grife.
Mas, vamos ao caso. Tumores começaram a surgir no corpo do acadêmico de medicina. Pequenas feridas viravam pústulas infecciosas trazendo desconforto e sofrimento para o garoto. De repente, uma maria-preta surgiu na coxa de Patrício. O furúnculo crescia e tomava conta da área de junção do membro inferior direito com o tronco, a poucos milímetros de distância da área de livre balanço do saco escrotal.
A infecção crescia, incomodava, causava íngua. A mãe do garoto, zelosa, decidiu levá-lo ao hospital para que o tumor fosse sarjado por profissional. Patrício levantou-se com dificuldade, tomou banho, botou uma daquelas cuecas preferidas - elástico frouxo na cintura e nas pernas, tecido desbo tado e mais furado do que tábua de pirulito -, vestiu calça e camiseta, calçou sandálias de dedo, e, com a zelosa protetora, saiu em busca de cuidados médicos.
Na antessala de doutor Marcos, Ana Cláudia, estagiária de Enfermagem, recebeu o paciente. Feliz por encontrar ali a menina que ele vinha azarando há tempos, sem sucesso, Patrício aproveitou para fazer manha e, quem sabe, com sofrimento de doente, mexer com os sentimentos da loirinha charmosa.
Chegou a vez de o purulento ser atendido. Amparado por Claudinha, ele entra no consultório. Depois de algumas perguntas, o médico ordena: “Tire a bermuda e deite-se naquela maca”. Sofrimento, vergonha, Patrício não olhava pra nada nem pra ninguém. Imaginava que, por causa daquela velha cueca furada, o namoro que nunca começou estava acabado.
O tumor foi espremido, o carnegão foi retirado, o curativo foi feito; Patrício saiu do consultório sem dirigir palavra à musa. Em casa, o acadêmico de Medicina abriu a gaveta, recolheu todas as velhas e confortáveis cuecas, que outrora foram suas preferidas, e ateou-lhes fogo.
Hoje, antes que as roupas íntimas completem seis meses de vida, Patrício as joga no lixo.