Deputados Estranhos, Projetos esdrúxulos
Parlamentares tentam criar dia nacional para pobres, heróis e macarrão. Querem proibir beijos, lavagem de batatas e algumas expressões do Hino Nacional. Idéias descabidas de legisladores têm destino comum: a lata do lixo
Lúcio Vaz Da equipe do Correio O que tem o Congresso a ver com um beijo lascivo entre pessoas do mesmo sexo, com o prazo de validade do chope ou com a lavagem de batatas? Alguns deputados acham que esses temas devem ser regulamentados por projetos de lei. Usam a principal prerrogativa do parlamento - a elaboração de leis - para manifestar preconceitos, fazer agrados a categorias e segmentos da sociedade, iludir os incautos ou simplesmente tratar de bobagens.
Essa tradição vem de longe. Pesquisa feita pelo Correio nos registros da Câmara dos Deputados relativos aos últimos 50 anos mostra que a apresentação de projetos esdrúxulos foi até mais intensa no passado. A fiscalização da sociedade parece ter resultado na melhoria da qualidade dos projetos, mas ainda persistem as propostas descabidas, que visam desde o confinamento até a regulamentação da prostituição.
Ainda neste ano o deputado Elimar Damasceno (Prona-SP) apresentou projeto de lei que institui o "Dia nacional da verdade". Em 2003, no primeiro ano de mandato, ele apresentou uma proposta que torna contravenção penal o beijo lascivo entre pessoas do mesmo sexo em público. No ano passado, o deputado Eduardo Valverde (PT-RO) propôs a regulamentação da profissão de trabalhadores da sexualidade. Fariam parte da categoria prostitutas, dançarinos, garçons, atrizes, atores, acompanhantes e até o "gerente" do bordel. Em 1977, o deputado Roberto Carvalho tratou do tema, propondo o confinamento da prostituição.
Especializado em economia, notadamente em tributação, o deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR), ex-líder do governo Fernando Henrique Cardoso, saiu um pouco da linha e apresentou projeto no ano passado criando o "Dia nacional do macarrão". Mais criativo foi o deputado Lincoln Portela (PL-MG), que pretende criar o "Dia nacional do sono". Mas não é para ficar em casa dormindo. O deputado propõe que, nesse dia, sejam realizadas palestras e cursos sobre a importância do sono.
O destino desses projetos, invariavelmente, é a lata de lixo. Antes disso, porém, consomem muito papel e horas de trabalho de assessores e deputados, passando por várias comissões técnicas. Quem deseja fiscalizar a qualidade do trabalho legislativo pode fazê-lo acessando a página da Câmara na internet. É só cliclar em "proposições", digitar as palavras ou nomes chaves e aguardar o resultado.
Patrulha moralista Um nome que rende projetos curiosos é Severino Cavalcanti (PP-PE), aquele que presidiu a Câmara, foi acusado de cobrar propina de um fornecedor da Casa e acabou renunciando ao mandato. Um projeto de sua autoria, de 2003, aplica pena de reclusão aos casos de abortos provocados em razão de anomalia na formação do feto. Ex-líder da patrulha moralista na Câmara, apresentou também projeto para proibir, em hospitais do Sistema Único de Saúde, a realização de cirurgia plástica reconstrutiva da genitália nos casos de transsexualidade.
O nacionalismo e o patriotismo exacerbados estão presentes em muitos projetos. Em 1998, Jair Bolsonaro (PP-RJ) tentou aprovar uma lei para exigir que os civis coloquem a mão direita sobre o lado esquerdo do peito durante a execução do hino nacional. Aldir Cabral (PFL-RJ) pretendeu modificar a letra do hino nacional, em 2000, substituindo as expressões "idolatrada e adorada" por "abençoada e sagrada" e "deitado eternamente em berço esplêndido" por "marchando resoluto em solo esplêndido". Nacionalista, Ruy Codo (PMDB-SP) apresentou projeto para obrigar o uso do idioma nacional em filmes estrangeiros.
Outra raridade era o deputado Nilson Gibson (PMDB-PE), conhecido como presidente do "sindicato dos deputados". Em 1991, apresentou proposta para estabelecer prazos de validade para a cerveja e o chopp. No mesmo ano, quis disciplinar o exercício da profissão de carregador de bagagens nos aeroportos. Curioso mesmo foi projeto de Nelson do Carmo (PTB-SP) que proibia a lavagem de batatas para venda ao consumidor. |