- 20 de agosto de 2025
Folha de S. Paulo SÃO PAULO - Por fim, neste mundo dominado pela imagem, alguém resgata o valor e o peso da palavra escrita, ainda que por vias tortas. Refiro-me à condenação à fogueira, retoricamente falando, do livro "O Código da Vinci", de Dan Brown, por parte da Igreja Católica. A palavra escrita tem de ser mesmo muito poderosa para fazer mexer-se a máquina do Vaticano a ponto de provocar uma espécie de recaída na Inquisição, É verdade que não se condenou o autor à fogueira, mas o cardeal Tarcisio Bertone pede que o livro não seja lido, porque, em sua opinião, contém "graves mentiras e manipulações" sobre a história da igreja e o papel de Jesus. Para quem não é um dos 25 milhões de leitores do "Código", informo que a ira da igreja se deve ao fato de que o livro afirma que Jesus Cristo casou-se com Maria Madalena, que seria um dos 12 apóstolos e, ainda por cima, que teve um filho com ela. O autor deixa claro que se trata, como é óbvio, de pura ficção. Mas, pelas dúvidas, fui rever a reprodução de "A Última Ceia" de Da Vinci na velha Bíblia que temos em casa e, de fato, a figura ao lado de Cristo à mesa tem todos os traços (e os cabelos) de mulher, tal como diz Dan Brown. Não prova nada, mas é curioso. Se tivesse talento para escrever, não poderia imaginar propaganda maior para qualquer texto meu do que uma reação dessas de parte de uma instituição como a igreja. Tom Hanks, que será o ator principal do filme baseado no livro, também deve estar feliz da vida. De alguma forma, a reação da igreja resgata também o ofício de jornalista, tão atacado. Se a Bíblia, a palavra dos santos e o primeiro jornal d.C., ainda consegue provocar polêmicas como essa, o que esperar dos pobres mortais que escrevem de um dia para o outro ainda sob o calor das paixões do momento?