- 20 de agosto de 2025
RUBENS VALENTE Folha de S. Paulo Relatórios do CIE (Centro de Inteligência do Exército), em Brasília, revelam que o Exército brasileiro mapeou a presença militar dos Estados Unidos na América do Sul. Os três estudos, feitos em 2002, indicam que pelo menos 6.300 militares norte-americanos estavam baseados ou realizaram operações no continente entre 2001 e 2002. Os militares americanos construíram pistas de pouso em cidades próximas do Brasil, no Paraguai e na Bolívia, instalaram radares e bases aéreas em nove localidades do Peru, montaram destacamentos e inscreveram dezenas de soldados em cursos preparatórios para combate em selva e contra o narcotráfico em diversos países sul-americanos. Trechos e dados desses relatórios de inteligência do CIE -um deles intitulado "Presença dos Estados Unidos na América do Sul"- são a base do trabalho do coronel de infantaria José Alberto da Costa Abreu apresentado em novembro de 2002 na Eceme (Escola de Comando e Estado Maior do Exército), no Rio, para a conclusão do seu curso de especialização em Política Estratégia e Alta Administração Militar. "Os principais reflexos para o Brasil da expressiva presença norte-americana nos países da América do Sul são: diminuição da capacidade brasileira de projetar poder em âmbito regional e a existência de um "cinturão" de instalações norte-americanas próximas às fronteiras brasileiras, principalmente na região amazônica", conclui o estudo do coronel. Um coronel de engenharia do CIE foi o orientador do trabalho. O CIE é o principal órgão de inteligência do Exército. É um órgão de assessoramento do comandante, no mesmo nível do Gabinete do Comandante e da Consultoria Jurídica. Mestrado No regime militar, então chamado de Centro de Informações, ficou conhecido por planejar o combate à guerrilha do Araguaia, no início dos anos 70. A Eceme é a mais alta escola de formação dos oficiais do Exército, correspondendo ao mestrado no ensino civil. Os relatórios do CIE utilizados pelo coronel apontam que, em número de militares, a presença americana mais expressiva ocorria, em 2002, na Bolívia. Pelo menos 5.000 homens dos Estados Unidos atuavam no país, que mantinha também a maior embaixada do continente, com 900 funcionários. Além disso, soldados das forças especiais dos EUA "procuram levantar possíveis focos de grupos armados que possam, resistir às ações contra o narcotráfico" principalmente nas regiões cocaleiras de Chapare e Yungas, onde o governo boliviano colocou em prática, na década de 90, um plano de destruição das áreas de cultivo da coca, o "Plano Dignidade". Desde 1999, a população indígena da região, que reivindica o direito ao cultivo tradicional da planta, tem reagido contra o plano de ocupação militar da região. O líder da oposição no país, Evo Morales, é da região. Vôos clandestinos "Existem, na Bolívia, diversas instalações de radar e de comunicações inseridas no sistema de comando e controle (C2) do Comando Sul dos EUA, destinadas a rastrear vôos clandestinos e a coordenar as atividades de combate ao narcotráfico. A operação e a manutenção desses equipamentos são feitas por técnicos norte-americanos", diz o estudo. O Comando Sul, ligado ao Departamento de Defesa e com sede em Miami, estabelece e executa a política militar americana para a América do Sul. A Colômbia, com atividade de pelo menos 500 militares norte-americanos, de acordo com o estudo, autoriza que militares do 7º Grupo das Forças Especiais dos Estados Unidos conduzam treinamentos em três batalhões colombianos antinarcóticos. O país tem recebido "mais assistência militar e policial dos EUA em treinamento, equipamento e armamento do que toda a América Latina e Caribe juntos". O Congresso americano autorizou recentemente o emprego de 800 militares na Colômbia. Em 2001, 400 americanos teriam participado de um exercício na Argentina, e 465, em dois exercícios no Paraguai. Assistência social As atividades no Paraguai se estenderam por três meses (de abril a junho), na forma das chamadas Aciso (Ações Cívico-Sociais), cujo objetivo formal é prestar assistência social às famílias pobres. Entre 1996 e 1997, segundo o estudo do coronel, foram construídas pistas de pouso nas cidades fronteiriças com o Brasil Pedro Juan Caballero, Salto del Guairá e Coronel Oviedo. No Equador, funciona a única Localidade de Operações Avançadas (FOL, em inglês) dos norte-americanos no continente. Por um acordo de cooperação de novembro de 1999, o governo equatoriano autorizou o uso americano da Base de Manta, na província de Manabi, que emprega quatro aviões grandes e quatro aviões médios. Um deles, o P-3 Orion, "é dotado de equipamentos óticos, acústicos e infravermelhos e os dados obtidos devem ser compartilhados com a inteligência da Força Naval equatoriana".