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ERA LULA - A força do Senado

Numa recente entrevista pouco antes do Natal, o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), alertava que os políticos precisam ficar atentos às novas formas de organização da sociedade que surgiram com a democratização do país e o surgimento dos novos meios de comunicação, como a internet.


Rudolfo Lago Da equipe do Correio Numa recente entrevista pouco antes do Natal, o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), alertava que os políticos precisam ficar atentos às novas formas de organização da sociedade que surgiram com a democratização do país e o surgimento dos novos meios de comunicação, como a internet. Para Sarney, os poderes da chamada democracia representativa - os governantes e os parlamentares eleitos pelos cidadãos - vêm diminuindo. E crescem os poderes da chamada sociedade civil organizada - os sindicatos, as organizações não-governamentais. Uma situação que, segundo o presidente do Senado, obrigará uma reciclagem de práticas e conceitos. No Senado, por exemplo, ele concluirá a instalação de um sistema de atendimento ao cidadão que permitirá, via internet, amplas consultas sobre temas em discussão no Congresso. É sob o signo dessa nova realidade, bem mais complexa, que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tomou posse há dois anos. Na série que se inicia hoje, o Correio irá analisar a divisão do poder na era Lula. O poder de seu governo. O poder do PT. Dos militares. Ou do crime organizado. Na primeira reportagem da série, analisamos o poder do Senado, a partir da tese de doutorado do cientista político Pedro Robson Pereira Neiva, defendida no último dia 13 de dezembro no Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj), um dos principais centros de referência do país para estudos de sociologia e ciência política. Neiva demonstra que o Senado brasileiro - como ocorre na maioria dos países presidencialistas, especialmente na América Latina - é mais poderoso e independente que a Câmara dos Deputados. E que, por essa razão, deverá constituir-se em eterna dor de cabeça para Lula e seus sucessores. Houve um tempo em que os políticos costumavam se referir ao Senado como o lugar mais parecido com o paraíso na Terra. Com a vantagem de que ninguém precisava morrer para ter acesso a ele. A cada dia que passa, porém, o Senado tem menos de tranqüilo e estável. É verdade que os deputados paralisaram seus trabalhos numa greve branca de três meses e vivem agora dificuldades na escolha do seu novo presidente. Mas foi no Senado que o governo sofreu suas duas únicas derrotas em 2004. Os senadores rejeitaram a medida provisória que proibia o jogo do bingo - reação à crise provocada pelo caso Waldomiro Diniz - e o novo salário mínimo de R$ 275 - restabelecido depois em nova votação na Câmara. 'O governo deve ficar muito atento ao Senado. Ele tem tudo para ser a principal fonte dos problemas políticos de Lula, por seus poderes e pela dimensão da oposição ali representada', alerta o cientista político Pedro Robson Pereira Neiva. Em sua tese de doutorado, Estudo das Câmaras Altas: os poderes e o papel dos Senados nos sistemas presidencialistas, Neiva compara os Senados dos vários países. A partir de uma lista das principais atribuições de cada Senado e da freqüência em que ocorrem nos vários países, o cientista político criou um índice para medir o grau de poder de cada uma das Câmaras Altas (como os Senados também são chamados), que varia de um (poder mínimo) a 20 (poder máximo). De acordo com o índice, o Senado mais poderoso do mundo é o da Bolívia. Da lista de atribuições principais, os senadores bolivianos possuem todas. Logo atrás vem o Paraguai, cujo Senado tem 95% das atribuições. O Brasil é o terceiro. O índice de poder do Senado brasileiro é 19, com quase 90% das tarefas listadas. Ou seja, o Senado brasileiro é extremamente poderoso. E a situação se agrava com o peso dos partidos de oposição. Somados ao PMDB, partido que tem uma parcela significativa que quer se tornar independente, PFL e PSDB somam 63% do Senado. Na Câmara, os três partidos representam apenas 36%. 'Nos sistemas presidencialistas, os Senados exercem funções de caráter estratégico, relacionadas a assuntos de Estado. Servem como mecanismos de controle e de apoio do presidente da República na condução da política nacional. No Brasil, dado o tamanho da oposição, vai funcionar mais como mecanismo de controle', avalia Neiva. Uma função que Thomas Jefferson definia como a do 'pires que esfria o café'. Ou seja, o ímpeto do governo na aprovação dos projetos de seu interesse acaba barrado pelo Senado. Constituição Na comparação que faz, Neiva observa que o Senado é mais forte nos países presidencialistas que nos países parlamentaristas. Porque parece mesmo servir de contraponto ao poder do presidente da República e do Executivo. No caso brasileiro, a força dos senadores aumentou ainda mais a partir da Constituição de 1988. Os senadores fazem tudo o que fazem também os deputados. E, além disso, têm várias funções específicas. Sabatinam e aprovam embaixadores, diretores do Banco Central e de empresas estatais, por exemplo. E autorizam o endividamento dos estados. 'Esse poder foi fundamental para a manutenção do Plano Real. Se os estados pudessem continuar se endividando sem limites, botariam o plano a perder', observa Neiva. 'O governo deve verificar que a relação política com o Senado tem de ser diferente da relação com a Câmara', considera o cientista político. No Senado, por exemplo, não vale fazer apenas o acordo de líderes para votar os projetos mais polêmicos. 'Alguém acha que Ideli Salvatti (líder do PT) lidera mesmo Eduardo Suplicy (PT-SP)? Ou José Agripino (líder do PFL) comanda Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA)'?

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