- 20 de agosto de 2025
Lilian Tahan Da equipe do Correio Caso uma proposta que tramita no Congresso Nacional seja aprovada, o discurso pronunciado no Tribunal Superior Eleitoral pelo então recém eleito presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, no qual ressaltou que acabara de receber o primeiro diploma de sua vida, não se repetirá mais. A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) protocolada na última semana pelo deputado federal Carlos Manato (PDT-ES) propõe que os candidatos a cargos eletivos tenham um mínimo de escolaridade para concorrerem a cargos públicos. Para presidente da República, a exigência é de comprovação do ensino médio completo. Aos candidatos a governador, deputado federal e senador da República também será exigida tal prerrogativa. O principal impacto, no entanto, abalaria um outro público: o que concorre a cadeiras de vereadores e prefeitos. Esses teriam que apresentar diploma de conclusão do ensino fundamental, o antigo primeiro grau. Embora a exigência seja menor do que para a disputa dos cargos em Brasília, é nesse ponto que a proposta promete despertar mais polêmica. Isso porque a maioria dos brasileiros que hoje se candidata aos postos de vereadores e prefeitos nas pequenas cidades não tem estudo. Uma boa parte, inclusive, não é sequer alfabetizada. O autor da proposta diz que se baseou, para apresentá-la, em uma pesquisa apresentada durante convenção do seu partido. Segundo as informações a que teve acesso, quatro de cada dez pessoas que querem ocupar o cargo de prefeito não têm diploma do ensino fundamental, chegando a aumentar de proporção - sete em cada dez - no caso dos candidatos a vereador. A escolaridade razoável só é constatada no Congresso Nacional, entre deputados e senadores, e nos gabinetes do poder executivo estadual. A Constituição atual é bastante abrangente quanto os critérios para uma pessoa concorrer a cargo público. Com relação a escolaridade, a única restrição que faz é que o candidato não seja analfabeto. Ocorre que o conceito de analfabetismo no Brasil é pouco específico. Nos dicionários consta que basta a pessoa saber reconhecer as primeiras letras do alfabeto para ser alfabetizado. na prática, convencionou-se que a escrita e leitura do próprio nome é suficiente para considerar uma pessoa apta. Um dos principais obstáculos que a proposta de Carlos Manato encontrará é quanto à discriminação de boa parcela da população brasileira ao criar critérios mais rígidos para a concorrência dos cargos eletivos. 'Foi fácil conseguir as assinaturas para protocolar a PEC, mas sei que não será tão simples convencer alguns que enxergam a mudança como uma forma de dividir os brasileiros entre os que podem e os que não podem se eleger por conta do acesso à escola', diz o parlamentar. Mesmo diante do desafio, Carlos Manato acredita que terá argumentos para mostrar que o país será melhor gerido se tiver como líderes pessoas com o mínimo de estudo. 'Hoje o processo de escolha, principalmente nas pequenas cidades, é a amizade, a simpatia ou a beleza do candidato; temos que escolher um governante também pelo seu preparo para cuidar dos assuntos de interesse do público. Não é possível que um prefeito não saiba lidar, por exemplo, com a Lei de Responsabilidade Fiscal', defende. Ex-ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Fernando Neves diz que a questão será polêmica, uma vez que há argumentos razoáveis tanto para manter quanto para mudar a legislação eleitoral. Um deles é o fato de que a multidão de analfabetos é o reflexo de um país que não investe no estudo, dando poucas oportunidades para os brasileiros que vivem no interior. 'Então, não seria justo cobrar das pessoas um pré-requisito ao qual não tiveram acesso', diz. Por outro lado, o ex-ministro destaca que é indiscutível a maior qualidade de uma administração gerida por alguém capacitado. 'Não há dúvidas de que quanto mais estudo, melhor a capacidade de administração'. -------------------------------------------------------------------------------- Memória Acordo pela tolerância Na contramão da proposta do deputado Carlos Manato, de tornar mais rígida a seleção de candidatos a cargos públicos, a postura do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em 2004 foi a de permitir o máximo possível de candidaturas. Balanço apresentado durante as eleições municipais de outubro pelo TSE mostrou que a maior parte dos recursos apresentados na Justiça Eleitoral foram os que questionaram a incapacidade cultural de candidatos. Ao todo 2.819 processos foram distribuídos para os ministros do Tribunal Superior Eleitoral, a maior instância da Justiça Eleitoral. Desses, 472 casos foram sobre analfabetismo e 2.347 sobre outros temas. Do total de processos que pediam a impugnação de candidatos por suspeita de analfabetismo, a maior parte, ou 60% das decisões, foi favorável aos candidatos. A explicação do TSE é de que houve um consenso dos ministros em ser o mais tolerante possível, exigindo apenas os conhecimentos mais rudimentares, a fim de não discriminar nenhum brasileiro. A decisão foi amparada na dificuldade de oferecer acesso a escola no interior do país. -------------------------------------------------------------------------------- Escolaridade dos deputados Dos 513 deputados 11 têm apenas o ensino fundamental 52 cursaram o ensino médio 444 cursaram ou concluíram faculdade 6 não especificaram a formação