- 28 de maio de 2025
ELEMENTOS DE DIREITO CONSTITUCIONAL
Capitulo VI
JOBIS PODOSAN
DOUTRINAS DO PACTO SOCIAL
Outro importante antecedente próximo da ideia de Constituição escrita são as doutrinas do Pacto Social. Na idade média, floresceu a ideia de que a autoridade dos governantes se fundava num contrato com os súditos - o pactum subjectionis. Por este pacto, o povo se sujeitava a obedecer ao príncipe enquanto este se comprometia a governar com justiça, ficando Deus como árbitro fiel do cumprimento do contrato. Assim, violando o príncipe a obrigação de justiça, exoneravam-se os súditos da obediência devida, pela intervenção do Papa, representante da divindade sobre a Terra. Entre ao vários teóricos do tema, destacam-se: Thomas Hobbes (1599-1679), com o Leviatã: John Locke (1632-1704), com Segundo Tratado do Governo Civil; Jean Jacques Rosseau (1712-1778), com O Contrato Social e Robert Filmer, com a Teoria Patriarcal. Esses autores citados, embora possuíssem diferentes fundamentações teóricas, eram todos contratualistas.
As leis fundamentais do reino - Os juristas franceses perceberam a existência de leis que se distinguiam das demais em função de três características distintas: 1) a matéria de que tratavam; 2) a estabilidade que apresentavam; 3) e a autoridade que tinha sobre as demais. Há leis, a maioria delas, que regula situações transeuntes. Outras há que permanecem ao longo do tempo, mudando aqui e ali, no acidental. Essas leis fundamentais apresentam maior estabilidade que as demais. Por outro lado, o assunto que versam se sobrepõe aos demais.
As luzes da França - Conforme lição do constitucionalista Manoel Gonçalves Ferreira Filho, a quem vimos seguindo, “transparece aí, nos contratos de colonização, a ideia de estabelecimento e organização do governo pelos próprios governados, que é outro dos pilares da ideia de constituição”.
Como se vê, a ideia de Constituição escrita, instrumento de institucionalização política, não é um evento solitário de um doutrinador, mas uma criação coletiva apoiada em precedentes históricos e doutrinários. Elementos que vão combinar a ideia de Constituição escrita podem ser identificados nos pactos, forais e cartas de franquia e contratos de colonização, que nada mais foram do que documentos que visavam à proteção de direitos individuais, esboçando uma participação inicial dos súditos no governo local.
Foram esses documentos, encontrados a partir da idade média, que firmaram a ideia da necessidade de um texto escrito, para garantia dos direitos individuais frente ao Estado, atuando como antecedentes importantes da formação das Constituições escritas.
Podemos ainda dizer que a descoberta do indivíduo como centro de direcionamento do Direito, constituindo cada um de per si, um centro de atração jurídica, foi um dos motores da ideia de constituição escrita, com o objetivo conter a força do Poder e, mais ainda, do abuso do poder.
No estado absoluto não há noção de povo como titular do poder, mas a de povo como súdito do poder. Nenhum direito cabe ao povo senão o de servir e de se sentir honrado por servir. Não havia na experiência elementos que possibilitassem ao povo tomar consciência de ser o elemento mais importante do Estado. Sem o elemento humano não há poder e não há fins, apenas o território deserto. Ainda hoje essa noção é rara, poucos povos a têm. A maioria ainda se acha mistura de gado e gente, que precisa ser conduzida por algum tipo de guia sem o qual não há destino.
Com a noção de supremacia do indivíduo advinda do Iluminismo começam a cair as escamas dos olhos e o poder passa a ser submetido à noção teórica de serviência. Digo teórica porque está ainda em elaboração essa ideia de que o poder existe para servir. Embora seja noção muito encontradiça fora dos círculos do poder, dentro dele os que o encarnam transmudam-se, tão logo o assumem, em donos do poder. No absolutismo essa era a ideia prevalecente: os indivíduos eram parcelas de uma soma que não totalizavam, eram fatores que nunca chegavam ao produto. O povo servia. Nada mais. Prevalecia o capitalismo comercial, o sistema colonial, a política mercantilista, a sociedade estamental, a intolerância religiosa e a laicização cultural.
O Estado Absoluto apresentou três momentos distintos: a) o feudalismo, em que os reis exploravam os vassalos; b) uma etapa moderna, do século XV ao XVI, em que os reis procuraram criar suas próprias instituições (Conselhos, corpo de funcionários, exércitos); c) e uma etapa de consolidação, séculos XVI a XVIII, em que a racionalização e a burocratização atingiram o apogeu e definiram a forma moderna do Estado.
A França destaca-se no cenário internacional principalmente pela magnífica coincidência, que só encontra similar na Grécia, com Sócrates, Platão e Aristóteles – de reunir numa mesma época filósofos notáveis. Na ordem social francesa estavam todos os ingredientes para o labor de mentes extraordinárias. A estrutura de poder guardava íntima relação com a estrutura da sociedade. Na França do século XVII, havia três camadas sociais: clero, nobreza e terceiro estado.
O clero recebia os dízimos da população, não pagava impostos e tinha seus próprios representantes, tribunais e assembleias, havendo enorme disparidade entre alto e baixo clero. Bispos e abades eram os maiores proprietários do reino, enquanto padres e vigários viviam na miséria, com um pequeno salário.
Assinalam os historiadores que a nobreza tinha privilégios fiscais, justiça especial, tinha direito a caçar e a exigir obrigações feudais dos camponeses. Dividia-se em: nobreza cortesã, favorecida pelo rei com os principais cargos e pensões; a nobreza togada, de origem burguesa, com cargos na magistratura; a nobreza provincial, com dificuldades para sobreviver, buscando casamentos vantajosos no seio da alta burguesia.
Já o terceiro estado reunia aproximadamente 20 milhões de habitantes, a maioria sem privilégios. Dividia-se em três classes: a) burgueses, subdivididos em alta burguesia, formada por industriais e a pequena burguesia, composta pelos chamados oficiais ligados à administração e à burocracia, advogados, médicos, escrivães; b) os comerciantes artesãos, que formavam as corporações conforme sua especialização e sujeitos a longas jornadas de trabalho; c) camponeses, massa oprimida por impostos reais, obrigações feudais, dízimos, trabalho gratuito e sujeitavam-se às inclemências do tempo, à fome e as doenças. Era a pobreza miserável sustentando a riqueza ociosa e opulenta.
Grassava o conflito entre as classes sociais, como fundamento do poder absoluto. O próprio rei administrava esse conflito no seu interesse, instigando o conflito, com a concessão privilégios ao alto clero e domesticação da nobreza, atraindo-a a seus palácios por meio de cargos e pensões. Também protegeu as corporações dos artesãos contra os grandes capitalistas, assegurando-lhes os direitos, ao mesmo tempo em que defendeu artesãos e capitalistas contra os assalariados. Garantiu aos camponeses direitos de posse e propriedade adquiridos pelo costume.
O poder real, em suma, descansava sobre o conflito generalizado que tendia a equilibrar as forças sociais, especialmente o conflito entre as duas classes mais poderosas, nobreza e burguesia.