- 20 de agosto de 2025
O Brasil acaba de perder um de seus maiores escritores contemporâneos. Fernando Sabino, autor de romances e contos memoráveis, morreu insistindo que se alguém lhe perguntasse depois de grande o queria ser quando crescesse, a resposta seria simples: "menino". Tanto levou a sério essa idéia que antes de morrer produziu seu próprio epitáfio: "Aqui jaz Fernando Sabino, nasceu homem, morreu menino.". Meu primeiro contato com Fernando Sabino data do início da década de 70. Sou daquela geração que jogava pedra no brega. Só ouvia Caetano, Vandré, Gil, Betânia, Chico, entre outros, além de renomados hits internacionais, como The Beatles e Rolling Stones. Aquele tempo em que os jovens vestiam a camisa do "papo cabeça" e saíam rotulando tudo e todos. Preconceito puro. Só para se ter uma idéia, o hoje festejado Reginaldo Rossi já cantava "Garçom", mas só fazia sucesso nos botecos do baixo meretrício, onde os freqüentadores já haviam tomado todas e estavam para lá de Bagdá.. Na Porto Velho daquele tempo não havia televisão. A diversão predileta dos meninos era jogar bola no campo do Flamengo, na saída da Escola, no bairro das Pedrinhas. Como perna de pau que sempre fui, ficava mais era do lado de fora, espiando os outros jogar, e batendo palmas. Na volta para casa, a pé (naquele tempo não havia a violência de hoje, que obriga os pais a deixar e buscar os filhos na escola), não custava nada entrar na única biblioteca da cidade, quase sempre aberta. Aí era um esbaldar só. Lia de tudo. Quantas surras homéricas não levei de meu pai ao chegar em casa fora de hora por ficar "lendo besteiras, aprendendo o que não prestava naquele local que só metia na cabeça das pessoas idéias absurdas!". Impregnado pela idéia de que "tudo que não fosse claro era subversivo", cultura bastante infundida na cabeça das pessoas pela ditadura de 1964, o "seu" Pará não queria ver nenhum dos onze filhos envolvidos com Polícia, Aparelho de Repressão etc. Foram nessas escapadas que li obras que hoje considero importantes. Entre elas, "O Encontro Marcado", escrita por Sabino, em 1956. Apesar de passados mais de trinta anos, trago ainda hoje a idéia central da trama gravada na retina. Fiz, na época, um paralelo - bobo talvez - com a festejada obra do grande filósofo francês Jean Paul Sartre, "A Idade da Razão", lida por mim também naquelas incursões "subversivas". Outra analogia do gênero - bobo - que fiz em minha adolescência foi "Os Miseráveis", do também francês Victor Hugo, com "Os Velhos Marinheiros", do saudoso Jorge Amado. A história da miséria de "Sem Pernas" & Cia. nas docas de Salvador, a meu ver, tinha muito da saga dos desvalidos de Montparnasse. É claro que hoje já vejo tudo sob uma outra ótica. Visão que só é possível captar ao longo de extenso aprendizado da vida - é claro que ainda não aprendi lá tantas coisas, mas não desisto. Continuo tentando. Mesmo achando Jorge Amado meio brega, não deixo de afirmar que gosto do que ele escreveu. Talvez por um pouco de perda daquele ranço elitista que nos embalava a todos em nossa adolescência. Com o passamento de Sabino, ocorrido nessa segunda-feira, resolvi rebuscar alguma coisa de sua autoria no meu saco de livros, e achei um de contos, intitulado A Companheira de Viagem. Mas gostaria de relembrar aqui algo de O Encontro Marcado. A trama se passa numa Belo-Horizonte do pós-Segunda Grande Guerra, e expõe de forma muito forte os dramas existenciais de jovens não só daquela geração. Retrata a luta incansável dos seres humanos nessa faixa etária, varando os tempos. A luta de Eduardo Marciano, o protagonista do enredo, prossegue por toda a trama. É um relato autobiográfico, em que Marciano reparte suas experiências com mais dois amigos, Hugo e Mauro. Esse relato cobre um período que vai de sua adolescência até os 35 anos de idade. Experiências, aliás, que envolvem todos os campos - afetivo-amoroso, profissional etc. Nem sempre as melhores possíveis. Invariavelmente, redundavam em frustrações. Hoje tenho filhas adolescentes e vejo que muitas coisas que são importantes para elas não passam de volatilidades. "Correr atrás do vento" (Eclesiastes, Bíblia Sagrada). Mas, quem não passou por elas, afinal? Dizem por aí que a melhor forma de aprender é quebrando a cara. A passagem pelo sofrimento é um salutar remédio. Resulta no amadurecimento do ser humano. Já dizia o poeta: "Quem passou pela vida e não sofreu, foi espectro de homem, não foi homem. Só passou pela vida, não viveu". Fernando Sabino soube decodificar como poucos a alma humana. Com sua partida, a literatura e o jornalismo brasileiros perderam, sem dúvida, um de seus maiores expoentes. (*) Jornalista, autor de "Até Quando - Estripulias de um governo equivocado". Escreve neste espaço às sextas-feiras; e-mail: [email protected]