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O FOTÓGRAFO - Por Aroldo Pinheiro

João Nepomuceno, pernambucano de Caruaru, aos dezoito anos tomou séria decisão: ia embora; não agüentava mais o sofrimento e a fome por que passou durante toda a sua vida. Não importava pra onde; ia embora. Destrambelhou-se rumo a Recife, numa longa e sofrida jornada: a pé, em lombo de jumento, em carro de bois, em carroceria de caminhão...; enfim chegou na capital.


João Nepomuceno, pernambucano de Caruaru, aos dezoito anos tomou séria decisão: ia embora; não agüentava mais o sofrimento e a fome por que passou durante toda a sua vida. Não importava pra onde; ia embora. Destrambelhou-se rumo a Recife, numa longa e sofrida jornada: a pé, em lombo de jumento, em carro de bois, em carroceria de caminhão...; enfim chegou na capital. Lá sua vida não foi menos dura; após muito sofrimento e humilhação arranjou seu primeiro emprego: moleque de recados e lambaio de puteiro; dali progrediu, passou a ajudante de camelô; depois, gerente de banca na feira; em seguida, entregador de mercearia; mais tarde, ajudante de lambe-lambe(1). Ao trabalhar com seu Manoel, o fotógrafo operador daquela geringonça, apaixonou-se pelos segredos da fotografia. Com a morte de seu patrão, comprou os equipamentos da viúva e saiu rumo a São Paulo, atrás de novos e promissores dias. Em São Paulo, tentou estabelecer-se na Estação da Luz, Praça da Sé, Praça da República, etc, mas foi escorraçado pelos concorrentes: "Vá lamber noutro lugar!" Um caminhoneiro, seu primo, certo dia, disse-lhe estar de viagem para o norte, e deu-lhe a idéia começar a vida praquelas bandas. Sem muita escolha, aceitou a sugestão e a carona; empacotou novamente os equipamentos, juntou suas coisinhas numa surrada mala de couro e lá se foi ele de encontro ao desconhecido. João decidiu ficar nas cercanias de Belém do Pará: Ananindeua; esta cidade começava a desenvolver-se e nosso fotógrafo pensou em crescer junto. Alugou um casinha bem simples e passou a usar sua sala como estúdio e os outros cômodos como residência. Um dos pilares de desenvolvimento de Ananindeua era a agricultura; muitos japoneses haviam descoberto o Pará e ali cultivavam seus produtos. Os nipônicos vinham em levas usar os serviços do nosso herói, pois precisavam colocar em dia a documentação junto ao Governo Brasileiro. Vendo que estes orientais eram muito parecidos uns com os outros, João Nepomuceno teve brilhante e desonesta idéia: "Vou usar só dois negativos para reproduzir fotos desses japonas: um para homens e outro para mulheres, já que todos têm a mesma cara." A artimanha foi posta em prática e vinha dando certo: João enganando os estrangeiros, economizando filmes e ganhando dinheiro - lavando a jerica. Num sábado de manhã, João recebeu a visita de Kazuo Minaga que, tirando um envelope com fotos 3X4 do bolso, iniciou o diálogo: "- Seu João, o senhor se enganou; aqui nessa foto não é Kazuo..." "- Claro que é meu filho..." "- Não seu João, esse não sou eu..." "- Claro que é você, meu filho... Olha aqui: esta cara não é igual à sua...? Este cabelo não é igual ao seu? Estes olhinhos puxados não são iguaizinhos aos seus?" "- Tudo bem, seu João...: a cara é igual à minha..., o cabelo é igual ao meu..., os olhos puxados são iguaizinhos aos meus... Só que quando eu tirei a foto, eu estava de gravata borboleta; a pessoa dessa foto está com gravata comprida. Tenho certeza de que não sou eu nesta foto." Lambe-lambe - fotógrafo ambulante

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