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Egocentrismo, pão e circo - (*) Francisco Espiridião

Confesso, no entanto, que há muito de preocupação no ar. Pelas mãos do obstetra Lúcio Távora, Francisco Neto desembarca daqui a pouco num mundão destrambelhado, onde o que menos se vê é solidariedade humana. Os artigos que abundam no mercado hoje são, sem dúvida, a corrupção, a falta de amor ao próximo, a violência, a criminalidade. Ninguém que estude à noite nas escolas da periferia se sente seguro em pegar o caminho de volta para casa lá pelas onze da noite. A qualquer momento pode ser tomado de assalto por uma das inúmeras "galeras" que estupram, arrebentam e matam sem dó nem piedade.


Nesta sexta-feira, 8, ganho o meu primeiro neto. Mesmo me sentindo mais feliz que pinto no lixo, tenho plena consciência que inauguro um novo estágio nesse árduo exercício de viver. Até porque em dezembro passo a integrar, com muita honra, o clube dos cinqüentões. Mas, tudo bem. Dizem que todo vovô é bobo... Confesso, no entanto, que há muito de preocupação no ar. Pelas mãos do obstetra Lúcio Távora, Francisco Neto desembarca daqui a pouco num mundão destrambelhado, onde o que menos se vê é solidariedade humana. Os artigos que abundam no mercado hoje são, sem dúvida, a corrupção, a falta de amor ao próximo, a violência, a criminalidade. Ninguém que estude à noite nas escolas da periferia se sente seguro em pegar o caminho de volta para casa lá pelas onze da noite. A qualquer momento pode ser tomado de assalto por uma das inúmeras "galeras" que estupram, arrebentam e matam sem dó nem piedade. Roraima sai de um período eleitoral onde a limpeza ficou apenas no campo físico. Postes de energia elétrica não se viram infestados de cartazes e banners, muito menos paredes e muros pichados pelos candidatos, a exemplo do que ocorrera em períodos anteriores. Nesse sentido, a mão-de-ferro do TRE agiu com eficácia. Já em outra esfera não se pode dizer a mesma coisa. Nesse aspecto as eleições de 2004 foram tão sujas quanto às demais. Pelo menos no dia "D". A compra de votos aconteceu escancaradamente, tanto na Capital quanto no Interior. O que faltou foi oportunidade para as competentes polícias flagrarem os "homens da mala" desfilando rua acima, rua abaixo. Outros se trancaram dentro de seus invioláveis domicílios e haja a comprar consciências alheias a troco de quase nada. Resquícios de uma cultura que ainda vai demorar alguns anos para desaparecer do cenário nacional. Entre mortos e feridos, entretanto, escaparam todos. Em Roraima não se teve notícia de homicídios por conta do pleito. Um vereador eleito no Interior matou um desafeto, mas esse caso não pode ser debitado na conta do pleito. Ocorreu depois que os votos já haviam sido contabilizados e devidamente divulgados. Encerrados, então, os solavancos próprios do processo eleitoral, resta-nos voltar à vidinha cotidiana. As mirabolantes promessas de campanha, que arremetiam todos a uma "ilha da fantasia", são águas passadas. A dura realidade é que, depois de todo o período de sonhos e devaneios, estamos, como antes, a bordo de um Brasil que se acha ancorado havia quase dez anos na estagnação. Toda a euforia do Poder Central, mostrando um salutar reaquecimento do setor econômico, com a possibilidade de crescimento real do PIB neste 2004 a taxas superiores a 4% (no ano passado o País encolheu 0,3%), ainda está longe de provocar qualquer melhoria na ponta. O otimismo passa ao largo dos mais de 52 milhões de brasileiros que vivem atolados na miséria absoluta. E pouco afeta - para melhor - a classe média, que a cada dia vê sua renda diminuir, sendo, assim, severamente empurrada a uma estratificação inferior. Funcionários de bancos estatais são um exemplo de queda livre de salários. Não faz muito tempo essa classe era vista como abastada. Vocações à parte, quem não queria ser funcionário do Banco do Brasil 30 anos atrás? Nos dias atuais a categoria trava uma queda de braço com o patrão por um aumento de salário amarrado em poucos pontos percentuais. Enquanto milhões de brasileiros não dispõem do que comer, Lula gasta 53 milhões de reais com a compra de um avião que só servirá para enaltecer o seu ego megalomaníaco. Enquanto se proliferam os bolsões de miséria nas periferias brasileiras, Lula anistia dívidas de republiquetas africanas que nenhum compromisso têm com a democracia, a exemplo do Gabão, do rico presidente Omar Bongo, perpetrado no poder havia quase quarenta anos. Enquanto a renda do brasileiro cai desde 1997 - oito anos consecutivos, portanto -, transformando mais de um quarto da população brasileira em gente faminta e descamisada, lembrando Collor de Mello, Lula continua fazendo seu périplo por simpósios e encontros ao redor do Mundo, pregando uma quixotesca dizimação da fome, como se isso fosse possível pela mão de um "estadista" oriundo do Terceiro, Quarto ou Quinto Mundo. Que o Brasil é um país de dimensões continentais, e que dispõe de riquezas incomensuráveis, disso todos sabemos. Por que, então, os brasileiros são obrigados a viver num mundo tão desigual, onde uma inexpressiva minoria desfruta das benesses de uma Bélgica, enquanto à esmagadora maioria resta conviver com os problemas de um Haiti? É fácil de responder. Um estudo do Banco Mundial, intitulado "Um melhor clima de investimentos para todos", divulgado pela revista Veja (edição 1874), mostra o Brasil como o 66.º entre 90 países não-desenvolvidos ou em desenvolvimento. Os motivos? A violência, a burocracia emperrada, a corrupção, a criminalidade. Esta última, segundo o estudo, é responsável por jogar ralo abaixo nada menos que 11% do PIB nacional. É nesse mundão sem eira nem beira que Francisco Neto desembarca nesta sexta, pela manhã. Mas, nem tudo está perdido. Restam esperanças. Basta que os dirigentes desvistam-se do egocentrismo exagerado e encarem os problemas da sociedade com a seriedade que merecem. Chega de incompetência! Ao invés de gastar energias em projetos de pura cosmética (pão e circo), que tal abordar com pulso firme o problema da segurança? Seria um bom começo. (*) Jornalista, autor de "Até Quando? Estripulias de um governo equivocado"; escreve neste espaço às sextas-feiras; e-mail: [email protected].

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